sábado, 29 de novembro de 2008

A fome da leoa

Eu sou uma das que dariam moedas ao Jackson. Ou essas moedas seriam ao Jonas?! A Jackson e a Jonas também.

Estes dois formam uma parceria consentida e ensaiada, esses dois se amam como se amam duas leoas de um mesmo grupo, comprometidas uma com a outra durante a caçada e a criação dos filhotes.

Ao tempo em que estabelecem esta parceria, menino e cão estão encaixados num compromisso maior, como aquele que une as leoas ao seu grupo familiar: em torno de Jonas e de Jackson e do seu número de rua, há uma família pobre, unida e solidária. Vejo neste círculo de pessoas e animais um modelo de relação que poderia mudar sobremaneira o modo como convivemos com os bichos.

Se considerarmos que a sociedade humana e sua intervenção sobre a natureza é uma fato sem possibilidade de retorno, poderíamos pensar em meios de dominação que não usurpasse o bicho, mas que lhe permitisse até, quem sabe, usufruir das maravilhas de um mundo humano repleto de inovações. Por exemplo, Jackson, que aprendeu a cantar e é feliz por isso.

O respeito de Jonas por ele e o favorecimento recíproco entre ambos, para mim, é um sinal de que seguimos um caminho evolutivo errado, em que subjugamos os bichos, a partir da presunção de que somos, de algum modo, superiores.

A história de Jackson com Jonas remonta à infância de ambos. Enquanto um aprendia a tocar acordeão, o outro aprendia a colocar seu uivo numa canção, ao tempo em que ambos aprendiam a aprender e a ensinar. Jonas se refere a jackson como um amigo, um companheiro de trabalho, um mestre. Ele diz que Jackson é do tipo de cão que quase fala, no que eu lhe disse que ele é um cão que canta.

Porém, há sempre um infortúnio e, neste caso, o tempo nos mostra a cara desta dor iminente. Se os treze anos de Jonas ainda pode ser considerado uma criança, Jckson, por sua vez, aos treze anos é um velho. O cão está perto da morte e Jonas tem um desafio terrível pela frente: encontrar e ensinar o canto a outro pequeno fihote de cão.
Ao comentar sobre isso, hoje aqui, no hospital, Jonas perdeu a voz. Para ele, é quase impossível desvencilhar sua rotina da rotina de Jackson. O que ele vai fazer? Começar tudo outra vez. Ele me disse que a cadela França, neta de Jackson, dará a luz filhotes nos próximos dias e que, desta ninhada, surgirá - ele tem certeza - o substituto de Jackson.

Como é anacrônico ouvir uma criança feito Jonas falar sobre morte! Esta palavra em sua boca ganha contornos carinhosos, ele se refere a ela em voz baixa, por respeito ao seu grande companheiro. Eu senti profundamente a dor que se esboça no coração de Jonas, compreendi-a e constatei que ela vai muito além da perda financeira que esta troca poderá provocar em sua família.

A morte é também outra companheira de Jonas, o que provavelmente o faz sentir a sua própria ao se referir à morte do seu amigo canino.

O novo filhote terá o dom de compreender o lugar e a função do seu uivo. Ele precisará descobrir o significado de sua música e encaixá-la no significado da música de Jonas.

Há uma inteligência submersa na mente do animal, a qual Jonas poderá despertar, quando testar com seu novo parceiro o método que sua família utiliza, há gerações, para tornar este sonho de parceria possível. Ao adestrar deste modo seus filhotes, esta família parece anular a dominação pérfida que permeia a nossa relação com os demais bichos.

Por isso, Jonas não sente culpa ou medo da morte. Jonas sabe que não há nada porque se preocupar, porque a morte e a vida são verss de um memso poema, não há mistério. A história de sua família lhe revela que os laços de amor são eternos e que as parcerias vitais, como a sua e a de Jonas, os acompanhará aonde quer que biegem seus espíritos. Jonas demonstra que a bondade gera a liberdade de se sentir pacífico diante das curvas da vida. A morte para Jonas é, na verdade, algo de que ele não quer ou precisa escapar.

Eu, do meu lado, ao vislumbrar as marcas deste acidente, sinto-me péssima. Eu sei que sou responsável por cada minuto de dor, por cada fincada lanscinantge, por cada vez que sou abordada por um médico ou psicólogo a me perguntar sobre algo de que me esqueci... sou, inclusive, responsável pro ter que receber, neste estado, policiais, que querem investigar minha intencionalidade...


Veio-me à mente a constatação de que eu daria moedas ao jonas por sentir culpa por não ser como ele.

Ah, meu Deus, como me sinto atormentada por este sentimento de responsabilidade! Como eu gostaria de alterar este acontecimento e reverter esta dor na alegria livre que Jonas sente com sua inocência, do mesmo modo que eu gostaria de compreender e aceitar que não há intenção maudosa na caçada das leoas famintas ao filhote de búfalo.
De um modo misterioso para mim, o amor de Jonas por Jackson equivale à fome da leoa pelo búfalo.