domingo, 21 de dezembro de 2008

Humana

Há os olhos de quem morre. De certo, poucos sãos os que viram os olhos de um igual a morrer. A iminência do fim... Será que a morte é um mistério também para os outros animais?

Faz todo o sentido para o búfalo, herbívoro, servir de alimento ao leão? É provável que sim. Talvez, ele apenas se pergunte, "por que dói tanto"? Talvez a sua manada sinta a sua falta, ou talvez os demais nem notem a sua ausência, em meio aos outros.

O mistério, para mim, é a dor de quem morre, a asfixia do último suspiro, aquele ir sem volta. É uma solidão tão intensamente vivida... engraçado eu me lembrar de uma emoção vivida na morte. Agora, eu sei que comigo estava também a morte naquela tarde.

Minha emoção transborda em lágrimas, mal consigo escrever. Sou agora como um chimpanzé que entra na jaula pela primeira vez. Sou a baleia capturada por um arpão em pleno mar. A minha dor é uma dor da raça. Eu... fiz. A cada segundo a sensação do meu amigo a me apertar o abdome, antes da batida...

Não o quis fazer, não sei. Revi a história toda, Felício morreu. Há em mim um inacabável buraco.

A morte a espreita. Jackson... Jonas piorou seu estado de saúde. Ninguém consegue encontrar o cão, estamos todos como que atados. Preocupo-me mais com Jonas do que comigo. e eu parar para pensar em meu drama e meu futuro e minhas mortes, terei que atravessar uma enorme correnteza, a arranhar minhas pernas e a esmorecer um pouco mais a cada passo. A querer voltar ao ponto de partida. A querer curar Jonas, a querer encontrar Jackson.

Sei que ele morreu e estou atada. Sou a ovelha ao se confrontar com a lâmina que porá fim à sua vida. Sou a morte. Se ao menos encontrasse Jackson e conseguisse salvar Jonas...

A minha raça é miserável. Sua estrada levou-me a querer experimentar o perigo, porque creio ser maior, inatingível; creio ser eterna e creio ser única. Ser humana parece-me o pior dos privilégios.

Sou o cocô do cavalo do bandido. Sou o cavalo e o bandido. E sou a dor tremenda e aguda. Estou morta também.

Há os olhos de quem morre e o coração de quem mata. Porém, há uma razão para isso e a presa a conhece tanto quanto o predador. Por que dói tanto? Por que me sinto presa ou predador, quando sei que eu não tinha fome, quando eu não sou uma leoa à caça? O que me fez chegar até aquele cruzamento?

Eu sou humana e preciso de amor... Há alguém que pode me devolver esta luz. Jonas não pode morrer também. Estou cansada.