quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

A armadilha

Jonas sentiu-se mal, está internado aqui, no terceiro andar.
Eu, inválida isolada numa torre transparente, sequer posso descer, para vê-lo e tentar acalmá-lo.

Acho que somente Jonas reconheceria minha dor, assim como eu reconheço a dele tão bem. Sei o que é sentir haver perdido uma parte fundamental de minha vida. Sinto-me como um salmão preso a uma rede, que vê a sua família ficar para traz de si - eu sou este peixe e sou também o que escapou da rede. Sou o que sente perder o ente querido, estando ele próprio absolutamente perdido e o que perde o ente querido e se alivia por ainda estar vivo.

Não consigo pensar em outra coisa. Sou culpada por Jackson também? O que eu poderia fazer por Jonas que não fiz?

As perguntas têm resposta, e eu estou envolvida demais com este sequestro do Jackson que peço licença para sentir mais nada.

Estou vazia, estou morta. Felício... Jackson levou consigo a luz no fim do meu túnel, ou eu serei a luz no fim do túnel dele? Onde está meu amigo, onde está Jackson? A mão em meu abdome, o instante final e a triste história do menino cantor, de coração doente, sem seu grande compenheiro, evado infamemente por alguém que se julga apto a alterar a vida de um ser vivo, de quebrar um laço tão intenso e belo de interdependência.
Estou certa de que este rapaz irresponsável não enxerga para além do seu próprio umbigo. Não consigo ver um modo pior de se ser perverso. O que quer que eu tenha feito, o que quer que estas pessoas todas querem tanto saber de mim não é tão grave quanto isso, que este menino fez ao Jonas e ao Jackson.

Em respeito a isto e por reconhecer este como ponto máximo de deturpação das nossas relações conosco mesmos e com os demais outros animais, fico calada. Sinto todas as dores que me cabem, entrego-me a elas, deixo-me dilascerar por dentro, trancada com um segredo monstruoso, prestes a se revelar.

Num desses documentários que vi, havia uma chipanzé machucada: ela havia sido pega por uma armadilha que quase lhe arrancou uma pata. Ela continuava, perseverante e dolorida, o seu destino de ser elefante. Perdeu algo naquela armadilha, não sabe se continuará a sentir, pela pata machucada, as vibrações distantes que seus irmãos elefantes emanam pela terra; ainda assim, ela segue, ignorante de sua sorte, perdida e impelida pela única alternativa que lhe resta: continuar a ser, apesar das perdas.

Sou eu a elefante e sou eu a armadilha. Sou eu a pata machucada e sou eu a vibração que esta pata, provavalmente, não voltará a sentir.