domingo, 24 de fevereiro de 2008

O cão do rei

Um animal domesticado não sabe o que faz.
Ele vive em constante negociação com quem o oprime, a qual perde sempre, pela dependência do opositor. Nunca está suficientemente seguro para procurar seu lugar lá fora. Ou simplesmente não o pode fazer, uma vez amarrado a um pedaço de ferro, ou entre grades, ou em aquários ou mesas de ciência alumínica, com químicos a lhes rasgarem tecisos e orgãos e a manchar seus sangues. Desta ciência nasce apenas desesperança. Subjugamos todos os animais. E o que fizemos com seus medos? Usamo-los como escudo para nós mesmos.

Acabo de ler um e-mail que recebi da autora do livro em que estou envolvida. Ela enviou-me um texto e uma imagem, com a cena do rapto do menino Rei da Inglaterra, Eduardo V, em 1843. Coroado aos 12 anos após repentina morte do seu vitorioso pai, foi preso na Torre de Londres com o irmão, por um inimigo de seu tutor e posteiormente morto. Sobre que pedras alicerça-se o ocidente moderno...



A autora compôs uma personagem baseada no irmão do rei, o pequeno Duque de Gloucester, e me pediu para estudar o quadro de Paul Delaroche de 1830, "Os Príncipes da Torre". A certeza do fim na expressão de medo do pequeno duque e a indignação heroificada no olhar do rei, neste quadro, mostraram-me a inusitada agonia de dois jovens homens marcados para morrer. Rei morto pelos servos do pai.

A pesar disso, pode ser que o rei sentisse mais medo que o seu irmão, mas deixe que a imagem mostre seu outro drama: há lá um cão. Esse cão do rei também morreu? Será que ele foi posto à rua, testemunha inválida? Qual terá sido a melhor das suas sortes? Manteve-se um cão a vigiar menino, ou foi visto um vaguear por Londres, em volta da torre, após aqueles dias?

Há algo que não me sai: de que tem medo este cachorro na imagem? Ele vigia, espera... como ele contaria esta história? A quem ele protege? Fosse um cavalo numa guerra, seguiria impávido até a ponta da lança adversária. Na torre do rei menino, ele verá primeiro a cara do carrasco, todavia mal entenderá a voz do mandante.