sábado, 1 de março de 2008

Vida animal

Tenho falado sozinha. A maior parte do dia, hoje, passei vendo documentários sobre vida animal. Pedi dias de folga, quero ver ninguém. Veronica está aborrecida comigo, com meu ataque súbito de angústia. Porque eu não tenho conversado muito. Praticamente toda minha comunicação é isto que tenho escrito aqui...

Escrevo é como se ouvisse ecos de volta. Como se o som da minha própria voz me abalasse como um sismo. Como se falasse num vácuo tortuoso, sei que ninguém me escuta. Não é uma experiência fácil, mas é o que sinto de uns dias para cá, não sei explicar o quê seja esta sensação de abalo. Eu não gosto mesmo de sentimentalismos, ainda mais com tristeza, porque eu estou triste. É uma espécie de Náusea. Começo a compreender os dramas do planeta. E isso tem me deixado absolutamente desesperançada.

Eu não sei o que deflagrou isso. De repente, comecei a me sentir tocada. Se foi uma dor que veio para me iluminar, ela não o conseguiu fazer, porque acendeu esse porão roto, essa franca idéia de que ser humano é ruim. Eu sofro de um mal da raça. Nada parecido com dores de amores, é uma dor por perda, mas não é bem isso... Não consigo decifrar. Se eu conseguisse compreendê-la, poderia domá-la; em vez disso, entrego-me a ela.

Estou atraída pela visão da miséria, da dor, do abandono, da crueldade, da injustiça, do medo e do terror. Vi filmes, fotografias, desenhos de pessoas a sofrer. Guerras, assaltos de fome e extermínio de grupos inteiros. Dos humanos, passei aos filmes sobre geologia, catástrofes da natureza, biologia e cheguei aos animais.

Eles são a expressão máxima de nossa infame intervenção sobre o planeta. Da nossa total imbelicidade e presunção ao acreditarmo-nos superiores no que quer que seja. O que fazemos contra homens, mulheres e crianças, fazemo-lo aos animais, indiscriminadamente e isso que me faz crer que somos, cada um, simultaneamente vítima e algoz em potencial. Ainda não é isso que nos difere dos bichos: todo predador é presa - há sempre algo ameaçador sobre nós.

A foca que caça uma cria de pinguim para comer é a mesma que briga contra todos do seu grupo em defesa do seu ninho, da sua comida, ou da sua cria. Ela deixará o filhote vizinho morrer, para alimentar o seu, se a mãe vizinha for comida por uma baleia, durante a caçada aos pinguins. Se observarmos bem, veremos que nossa natureza é idêntica, tudo isso também fazemos nós, contra nós mesmos inclusive. A diferença é que criamos o mito para justificar a nossa catástrofe existencial: pitamos o mal com doces cores e ornamos o bem com pregos e espinhos. A hipocrisia e o cinismo são o que verdadeiramente nos diferencia dos demais bichos.